11 de mar. de 2009

Execução de Alimentos e Prisão do Devedor: (Re)Visitando a Súmula 309 do STJ1

Tiago Bitencourt De David Advogado. Mestrando em Direito – PUCRS. Palestrante da ESA/OAB-RS e de Cursos Preparatórios


Há duas correntes acerca da quantidade de prestações vencidas que ensejam a prisão do devedor de alimentos.

A primeira é aquela predominante no TJRS (enunciado 23 do Centro de Estudos) e no STJ (súmula 309) circunscreve o rito da coerção pessoal à cobrança das 3 (três) últimas parcelas mais aquelas que vencerem após o ajuizamento da execução – e não a partir da citação como estava na redação anterior da súmula. Para esta corrente tudo aquilo que extrapolar três parcelas se submete ao rito da expropriação.

De outro lado, a doutrina majoritária entende que todo o débito deve ser executado pelo regime que sujeita o executado à prisão em caso de persistência no inadimplemento. Nesse sentido posicionam-se Sérgio Gischkow Pereira2, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald3, Sérgio Gilberto Porto4, Cassio Scarpinella Bueno5 e Araken de Assis6. Em diversas ocasiões a jurisprudência já se manifestou nesse sentido:

“A jurisprudência que, vinculada às peculiaridades dos casos concretos, restringe a prisão ao pagamento das três últimas prestações, não constitui regra absoluta, comportando temperamento após a análise das circunstâncias de cada hipótese. (STJ, 4ª Turma, HC 11.163 e RHC 9.718, relator de ambos: Min. César Asfor Rocha, julgados respectivamente em 11.04.2000 e 27.06.2000)

EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DÉBITO SUPERIOR A TRÊS MESES. Ainda que cristalizada pela jurisprudência a possibilidade do uso da via executória da coação pessoal para a cobrança de três parcelas alimentares, possível abranger período maior quando houve pagamentos parciais e entrega de bens in natura. Agravo desprovido, por maioria. (Agravo de Instrumento Nº 70006395271, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 27/08/2003)

Alimentos – Execução de prestações vencidas – Imposição, pelo magistrado, do rito do art. 733 do estatuto processual somente para a cobrança das três últimas, cindindo-se as pretéritas pelo rito do art. 732 – Inadmissibilidade – Limitação não incluída nos poderes do juiz – Direito do credor de optar pela via mais austera e mais eficaz, se evidenciada a inocuidade da execução por quantia certa – Recurso provido (TJSP, 3ª Câmara Cível, AI 149.020-4/3, relator Des. Carlos Roberto Gonçalves, julgado em 11.04.2000)

Execução – Alimentos provisórios, com cominação de prisão civil – Procedimento adequado, ainda que para débito correspondente a outro período a credora tenha optado pela execução por quantia certa – Decisão fundamentada adequadamente - Caráter alimentar que não se perde pela demora no pagamento da pensão por resistência do alimentante – Agravo improvido. (TJSP, 2ª Câmara Cível, AI n. 66.435-4, rel. Des. Lino Machado, julgado em 17-02-98)

Alimentos – Execução – Hipótese de cisão do procedimento escolhido - Inaplicabilidade – Cabe ao credor do débito alimentar escolher o rito da execução, quando por mais de um modo legal para efetuá-la – Dívida pretérita que não perdeu seu caráter alimentar, pois, no caso, não houve demora exagerada na execução e a pensão atual não vem sendo satisfeita regularmente. (TJSP, 7ª Câmara Cível, AI n. 80.248-4, rel. Des. Leite Cintra, julgado em 2/09/98)”

Uma vez expostas as correntes, cabe fazer algumas observações.

Como bem coloca Maria Berenice Dias7, não é necessário o vencimento de 3 (três) parcelas para a utilização do rito da coerção pessoal. Tal entendimento vem bem exemplificados pelos precedentes do STJ nos habeas corpus n. 9.356 e 10.326. Pelo contrário, para aqueles que seguem a súmula 309, as 3 (três) parcelas vencidas são o teto e não o piso. Assim, retifico as linhas lançadas em outro ensaio (Imputação do Pagamento e Prisão Civil do Devedor de Alimentos) e concluo que as conclusões ali lançadas a respeito da imputação do pagamento das dívidas alimentares perdem, em grande parte, interesse prático, exceto quanto ao que segue aduzido e que acaba por fortalecer a convicção do autor a respeito da inconstitucionalidade e da inoperância da súmula 309 do STJ.

Caso o magistrado ao deparar-se com situação onde o devedor paga o último mês/parcela permita que ele se livre da prisão pagando tão-somente as outras duas, terá o órgão jurisdicional admitido a imputação do pagamento em detrimento daquelas parcelas mais antigas e reconhecendo benefício ilegal ao devedor e que relega à prescrição os débitos mais antidos. De outro lado, caso não admita a imputação do pagamento e reconheça como adimplida a parcela mais antiga, de forma a obrigá-lo ao adimplemento de mais outras três e tratando de forma praticamente igual ao daquele que nem sequer pagou qualquer parcela, vez que ambos se livrariam da coerção pessoal mediante o pagamento de 3 (três) parcelas. Não se diga que nesse último caso o tratamento não seria igual na medida em que a parcela paga seria abatida daquelas que se sujeitam ao rito da expropriação, vez que na maioria das vezes o devedor é pessoa sem bens penhoráveis. Portanto, não admitir a imputação do pagamento acaba por, à luz da súmula 309, tratar de forma similar devedores com comportamentos bastante diversos e que acabará por incentivar o inadimplemento.

Noutro giro, a adoção da tese de que a coerção pessoal é hábil para a execução de qualquer quantidade de parcelas pode acabar por desestimular o pagamento parcial, ou seja, de algumas parcelas, vez que caso não ocorra o adimplemento de todas o devedor ainda fica sujeito à prisão. No entanto, a inaplicabilidade da súmula não pode conduzir a tal entendimento, sendo possível ao devedor provar que pagou tudo quanto lhe era possível, conforme, inclusive, faculta a letra do art. 733, caput, do CPC. Incorreto é presumir que o devedor não possa pagar mais do que 3 (três) parcelas, tal como sumulou o STJ, mormente em face da ausência de previsão legal nesse sentido e de todo o sistema jurídico indicar a inconstitucionalidade de tal restrição à utilização da coerção pessoal. Aliás, nesse ponto é irrepreensível a lição de Araken de Assis8:

“Erra a jurisprudência alinhada, e passível de grande crítica, partindo da inflexível pressuposição de que o devedor, em atraso há muito tempo, jamais ostentará recursos para pagar toda a dívida de uma só vez.”

Então, em face do exposto e ao contrário do ensaio anterior, conclui-se pela inaplicabilidade da súmula 309 e de sua incompatibilidade com a rejeição do instituto da imputação do pagamento.

Notas de Rodapé

1 Agradeço ao debate sempre proveitoso tido com os eminentes doutrinadores Daniel Ustárroz e Rogério Delatorre.

2 PEREIRA, Sérgio Gischkow. Ação de Alimentos. 4 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 112 e 113.

3 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 678-680.

4 PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e Prática dos Alimentos. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 98 e 99.

5 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Tutela Jurisdicional Executiva. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 372.

6 ASSIS, Araken de. Da Execução de Alimentos e Prisão do Devedor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 146.

7 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 502.

8 ASSIS, Araken de. Da Execução de Alimentos e Prisão do Devedor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 146.

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