19 de mar. de 2009

Pacientes entram na justiça para garantir direito a medicamentos

Pacientes entram na justiça para garantir direito a medicamentos

Apesar de terem direito a receber medicamentos repassados pela Secretaria de Saúde e cirurgias pelo SUS, pacientes travam luta nos tribunais para garantirem o que está previsto na Constituição Federal

Izabel Toscano - Correio Braziliense Comentários Avalie esta notícia



Publicação: 19/03/2009 08:25 Atualização: 19/03/2009 08:38 Com o pé esquerdo triturado durante um acidente, em 2003, o ex-faxineiro Francisco Valdir Lopes da Silva, 31, não consegue trabalhar e chegou a ser desenganado pelos médicos. No fim do ano passado, ele descobriu que existe chance de recuperar parte dos movimentos e, especialmente, se livrar da dor que nunca mais o abandonou, mesmo parado. Mas para garantir a cirurgia no Sistema Único de Saúde (SUS) que o permitiria voltar a colaborar com o sustento da casa, Francisco teve que ir à Justiça.

A educadora Izabel Pereira dos Santos, 35, conhece bem a situação. Durante dois anos ela brigou para que o filho Lucas, hoje com 12 anos, recebesse o remédio indicado para que ele pudesse retomar a calma e a atenção, se concentrar nas aulas e se aquietar em casa. Como o medicamento não é padronizado pelo governo — não está nas listas de distribuição — ela precisou encontrar um substituto e garantir nos tribunais o direito de recebê-lo gratuitamente.

Pelo menos seis casos semelhantes chegam diariamente à Defensoria Pública do DF. Já seriam mais de 2 mil casos por ano, mas o número é seguramente maior — não há estatísticas sobre os procedimentos iniciados por advogados particulares ou pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). “Observamos que a maioria dessas ações são decorrentes de falha na gestão do poder público, no caso a Secretaria de Saúde e também do Ministério da Saúde”, diz a promotora de Justiça de Defesa da Saúde Cátia Gisele Martins Vergara.

Para ela, a revisão da lista de medicamentos padronizados pelo Ministério da Saúde tem que ser feita de forma rápida, já que remédios novos surgem a cada instante. Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério informa que a atualização da lista ocorre com a incorporação anual de remédios, com base em critérios de eficácia, segurança, custo e efetividade.

O secretário adjunto do DF, Florêncio Figueiredo Cavalcante Neto, admite que existem entraves que dificultam a entrega dos remédios. Os usuários devem procurar as farmácias nos hospitais da rede pública do DF. “Trabalhamos em cima da licitação pública. E não são raras as vezes que a empresa perdedora entra com recurso e gera demora na resolução. Outro entrave é quando a empresa perde o direito de entrega. A população acha que a secretaria deixa de comprar, mas não é verdade”, explicou.

No ano passado, a Secretaria de Saúde gastou R$ 6 milhões em ações judiciais e outros procedimentos de emergência para pacientes. “Quem entra na Justiça consome dinheiro público, que seria usado para ele, de forma inadequada”, diz Florêncio Neto.

Sem alternativa
Mas é na Justiça que Francisco espera retomar a rotina. Trabalhando na limpeza de uma empresa, deu o azar de ser chamado, em seu dia de folga, para prender faixas em um prédio no Gama. Francisco estava sem os equipamentos de segurança e despencou no chão.

Logo após o acidente, ele passou por uma cirurgia no pé. Mas o diagnóstico não mudou: os ossos do pé esquerdo foram triturados e ele apresentou quadro de artrose subtalar grave, o que, além de dificuldades na mobilidade do pé, causa dor persistente. Francisco, desde então, caminha com a ajuda de uma bengala. Não consegue andar por muito tempo. “Até sentado a dor tortura”, lamenta.

A mulher passou a sustentar sozinha o casal e os dois filhos, um de 3 e outro de 1 ano. Durante todos esses anos, os médicos que Francisco consultou após a cirurgia o desenganaram. “Eles diziam que não adiantaria eu fazer outra cirurgia”, lembra. Mas um especialista que o examinou no fim do ano passado garantiu que procedimento cirúrgico o livraria da dor e da bengala. “Eu vou melhorar em 50% e voltar a trabalhar. Não vejo sentido em continuar vivo se não posso colocar comida dentro de casa”, diz ele.

Francisco anda sempre com todos os exames, laudos e encaminhamentos médicos. “Quando o médico viu que a fila para a cirurgia estava com 107 pacientes, em dezembro do ano passado, me aconselhou a entrar na Justiça. Ele fez as contas e disse que poderia demorar até dois anos para eu ser operado. Acho uma vergonha eu ter que enfrentar isso para ter um tratamento que é direito meu”, afirma.

A educadora Izabel também lamenta. “É um direito de Lucas ter o medicamento adequado para o seu tratamento. Eu tive que correr atrás e a única solução foi a Justiça”, disse. Lucas foi diagnosticado com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade aos 10 anos. “Foi difícil porque sem os remédios ele se envolvia em brigas na escola, não conseguia estudar direito, ficava muito nervoso e agitado”, lembra ela.

Izabel sustenta o filho sozinha com R$ 540 mensais. Eles moram no Jardim ABC, em São Sebastião. “E o remédio prescrito pela médica custa pouco mais que R$ 300. Como eu faria isso?”, questiona. No fim do ano passado, a reposta da Justiça: como o medicamento indicado não é padronizado, foi disponibilizado outro que teria igual efeito. Lucas sente-se aliviado. “Minha mãe fez algo que não precisaria fazer. O remédio deveria ser dado sem precisar de advogado. Mas com os comprimidos eu pude estudar — e eu gosto de estudar. Não fico mais agitado o tempo inteiro. Agora serei veterinário”, promete.

Diálogo consegue acelerar solução
Todos os usuários do SUS têm direito aos medicamentos gratuitos, mas a liberação dos remédios se dá por dois procedimentos: os pacientes com doenças crônicas, como câncer e doenças renais, precisam preencher um protocolo padronizado pelo Ministério da Saúde para adquirir a medicação. “O Ministério então nos passa os recursos para a compra”, explica o secretário adjunto de Saúde, Florêncio Neto.

Os remédios de alta complexidade, para doenças raras, são solicitados pelo médicos e a secretaria os libera após avaliação. “O paciente precisa saber que esses medicamentos devem ser padronizados pelo Ministério e autorizados pela Anvisa”, diz o secretário adjunto. Ele acrescenta que as filas para cirurgia no DF devem diminuir. “Vamos contratar anestesistas e estamos recuperando salas de cirurgia”, promete.

A boa notícia é que o diálogo entre a Defensoria Pública do DF e a Secretaria de Saúde aumentou. No último mês, segundo o defensor público André de Moura Soares, que atua com ações urgentes, pelo menos metade das ações deixaram de ser ajuizadas contra órgão. Isso porque os casos foram resolvidos de forma consensual, devido a criação de um núcleo específico para cuidar da saúde dentro da Defensoria Pública.

“O núcleo foi criado a pedido do governador e antes de entrar na Justiça fazemos contato com o órgão. Conseguimos resolver em horas uma situação que levaria 20 dias. É bom para o governo, para a Defensoria, para o Judiciário e especialmente para o paciente. A nossa postura é colaborar com a secretaria para resolver casos urgentes”, explicou André Soares.

O defensor público lembra que procurar a Justiça não deve ser o primeiro caminho do paciente. “A primeira providência é procurar a Secretaria de Saúde para requerer a medicação, porque a maior parte está disponível na rede pública. Só se deve ajuizar ação se a medicação estiver em falta ou se não for padronizada”, orienta. Ele acrescenta a importância de o paciente ter relatórios e exames médicos explicando e comprovando a falta da medicação, a necessidade e os riscos que a pessoa corre sem ela.


DILEMA NACIONAL
Não é apenas no Distrito Federal que a aquisição de medicamentos vai para a Justiça. Dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2008, a instituição foi citada como ré em 1.470 ações em todo o Brasil. Em 2007, foram 2.979 ações. O agravante para o Ministério são os custos decorrentes dos processos. Desde 2005, quando esses custos foram de R$ 2,5 milhões, o valor não parou de crescer. Em 2006, foram gastos R$ 7 milhões, em 2007, R$ 15 milhões, e no ano passado, R$ 52 milhões.Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério esclarece que não se opõe ao fato de o cidadão ir à Justiça buscar um direito. Mas pondera que, apesar do grande número de ações, em 60% dos processos a demanda ocorre, principalmente, por medicamentos que o Sistema Único de Saúde não dispõe. E garante que os autores das ações poderiam ser tratados com remédios similares que o SUS oferece.

Nenhum comentário: